segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

The dark side

O prometido é devido...


Damien Rice - I remember

09/11/23
Sentei-me na casa de banho. Puxei o papel para me sentir limpa. Tudo à volta parecia ainda mais desesperado que eu. Aquele amarelo era, de alguma forma, calmo. Pelo menos hoje não havia música para me destrair. Coloquei sobre meus olhos as minhas mãos geladas para diminuir o visível cansaço do olhar. Esbati o calor que as minhas têmporas emanavam. Subitamente senti-me calma, em casa. Sem saber bem porquê, comecei a despir-me. A sensação era de estar num total à vontade, como se do meu quarto ou casa de banho se tratasse. aquele espaço. Deixei-me lá ficar, sem motivo nenhum. Só o sossego e as vozes dos outros, no lado de fora daquele ambiente me perseguiam. A vontade de lhes mandar calar ou lançar-lhes da alma um palavrão era mais que demais, mas o público não tem culpa do meu estado.


Nina Simone - I want some sugar in my bowl

Procurando o lusco-fusco, o nascer do dia, o amanhecer do dia, o espaço entre os espaços, a seita de esperanças... Melhorar aquilo que hoje tenho por vida.


Nina Simone -Nobody's fault but mine

Toca o telefone. A música é calma. Um piano a fazer lembrar uma história de amor vampireseco que sei acabar bem. É preciso que acabe bem! Não atendi. Não achei que valesse a pena. Dali a segundos estaríamos frente a frente, para um mudo combate do tlintiln das chávenas de café, no pires, branco. Branco como a minha mente, toldo como o meu coração, agora. As palavras que foram ditas, foram mais energéticas que o habitual, o climax aumentava até ao meu basta! Não consegui mais. As vozes do puto a ressoarem-me na mente vazia; a incerteza de Janeiro; a incapacidade de querer fazer algo; a vontade de não querer estar ali, nem aqui; a angústia pelo estado miserável do meu dinheiro, amarrotado; a impossibilidade de gritar e de dizer que me vou... tudo, mas tudo me levou ao silêncio, ao carro e ao lugar do seu lado, fumando um triste e amargo cigarro, pondo a cinza janela fora como quem joga um, mais um lixo para o ar como sinal do erro que, eu, cometo. O vento trazia-a de volta. Poisou durante aqueles instantes em que involve mais uma tábua da minha lenta morte, para o meu colo, deixando marcas no tecido preto da minha roupa, como deixo pegadas nos caminhos semi-errantes que tomo, tendo tomado e que continuarei a tomar até tomar uma decisão.

Mas o dia ainda não acabou. Melhor dizendo, o espaço, este tempo entre o dia e a noite, só agora começou e desenvolve-se pelas horas fora, até ao meu próximo destino: saber do meu destino. Fui talhada para o fatalismo. Fui concebida para o disfarce. Sou actriz por forma de vida, enganando-me de ser o herói feminino das peças ensaiadas pelo masculino. Peão dos sonhos do tempo, figurante dos sonhos do destino, herói que salva e não é salvo, herói que morre e não mata; heroína dos afectos e das desilusões. Mestre do choro lusitano.

Agora, sentada ao volante do carro parado, sentindo nas veias o crescendo da música sem letra, sem som que me perturbe a alma, vejo outros carros, luz, escuridão e poucas pessoas à minha frente. Sei o que se entende pelo outro lado do muro. A morada para onde um dia irei, iremos. Li, li muitas horas à sua frente, era a paz que na altura precisava até me sentir a mais. Mas acabo sempre lá: em pé, ao lado, sentada, em pensamentos. É de mim que vêm esses recados para a dor; é de mim que brota esta tristeza sem razão; é de mim que vem este fingir para não justificar; este desconcerto disfarçado para não questionar. É de mim que venho e a quem regresso.


Beyonce - Save the hero

Mil bjs
Karó

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